"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Alemães no sul do Brasil

A colonização alemã no sul do Brasil registrou no dia 25 de julho de 2004 os 180 anos do seu começo. As famílias que vieram das várias partes da Alemanha de então chegaram a atual São Leopoldo/RS em meio a uma intensa guerra ideológica e territorial. Uma guerra na qual as repúblicas platinas da Argentina e do Uruguai desafiavam simultaneamente a monarquia espanhola e o império luso-brasileiro. Os primeiros colonos alemães que foram assentados no Rio Grande do Sul vieram acima de tudo para cumprir uma função estratégica: reforçar as posições imperiais na região, assegurando assim a posse do antigo Continente de São Pedro nas mãos dos Braganças. Desembarcando em meio aos tiros Mal amainada a rivalidade dos dois impérios ibéricos, o espanhol e o português, na luta pelo controle das áreas platinas e rio-grandenses, acalmada pelo Tratado de Santo Ildefonso de 1777, uma nova sombra de ódios enturvou a incerta fronteira que separava os brasileiros dos castelhanos. Proclamada a independência Argentina em 1810, um regime republicano difundiu-se pelas duas margens do rio da Prata. O Brasil, ainda parte do Reino Unido, logo se envolveu nos tumultos provocados pela guerra ideológica desencadeada entre as monarquias absolutistas, representando o Antigo Regime, e os regimes republicanos de Buenos Aires e de Montevidéu que apontavam para o futuro da humanidade. De novo o Rio Grande do Sul, quando província do Império de D.Pedro I, viu-se centro de um cabo-de-guerra que de um lado era puxado pelas mãos conservadoras da monarquia absolutista, e do outro nas dos republicanos do Prata. Reproduzia-se nesta parte do mundo o mesmo conflito que se dava na Europa entre os interesses da reacionária Santa Aliança e as forças do liberalismo republicano emergente. Foi, pois, em meio a este cenário belicoso que os primeiros 39 imigrantes alemães desembarcaram no cais da antiga Feitoria do Linho Cânhamo, na atual São Leopoldo, no inverno de 1824, situada a pouco mais de 20 km de Porto Alegre, a capital da província Intenção antiga Diga-se que trazer colonos alemães ou italianos para o Brasil Meridional era antiga intenção do Conselho Ultramarino de Lisboa. Um despacho real de 19 de junho de 1729, lembrou a profª. Helga L.Picollo, já fazia menção em transladar para a fronteira sul um povo que não fosse castelhano, inglês, holandês ou francês, para afirmar a soberania da Corte Portuguesa sobre as vastas extensões de serras, coxilhas e planícies que iam do rio Uruguai até o rio da Prata. Intenção essa reafirmada por um outro decreto, este de D.João VI, datado de 16 de março de 1820, que em complemento a Lei da Abertura dos Portos de 1808, manifestava o desejo de abrir as fronteiras brasileiras à imigração estrangeira. Tal como os romanos, os portugueses sabiam que a única maneira efetiva de manter-se um território não era por meio de guarnições de soldados que podiam desertar a qualquer hora, mas sim ocupando-o com famílias de pequenos proprietários que fizessem dos acres ganhos coisa sua, pelos quais, se necessário, dariam não só o seu suor mas o seu sangue. A idéia de estimular os alemães a virem partiu da imperatriz D. Leopoldina, uma princesa germânica, e logo contou com apoio de D.Pedro I que recém sufocara as veleidades dos liberais brasileiros mandando fechar à força a constituinte de 1823, e impondo no seu lugar uma Carta outorgada redigida à feição dele e das suas posições pró-absolutistas. Soldados e lavradores Os colonos cumpririam um duplo papel: poderiam ser arregimentados pelas tropas imperiais que lutavam contra o republicano Gervásio Artigas e ao mesmo tempo garantir com seus lotes de terra a retaguarda do poder dos Braganças no Rio Grande do Sul. Podiam servir como soldados ou trabalharem como lavradores. Exemplo maior disso deu-se durante as Guerras Cisplatinas (1825-27) quando o doutor João Daniel Hillebrand (1800-1880), um médico de São Leopoldo formado em Hamburgo, na Alemanha, e que bem jovem lutara na batalha de Waterloo, arregimentou mais de 120 colonos como voluntários para , segundo ele, “derramar até o último pingo de sangue em defesa da nossa justa causa”. Era um número substantivo de gente, sabendo-se que no biênio de 1824-5 o total deles, nas onze levas em que vieram, alcançara a 1.027 imigrantes. Entre 1824 e 1830, ano em que se encerrou o subsídio à imigração, quase 6 mil alemães ( renanos, prussianos, mecklenburgueses, hanoverianos, pomeranos, suábios, bávaros, etc...) chegaram ao Rio Grande do Sul, concentrando-se por primeiro no eixo que vai de São Leopoldo à Santa Cruz do Sul. Tratavam-se de artesãos, funileiros, ferreiros, curtidores, marceneiros e carpinteiros. Poucos deles eram gente do campo propriamente dita, mas que levantaram as mãos aos céus em terem seus acres de terra que lhes permitiram, longe das exigências feudais ainda existentes nos ducados e baronatos de onde vieram anteriormente, serem homens e mulheres livres no Brasil. Muitas décadas depois do desembarque da primeira leva trazida pelo bergantim São Joaquim Protector, o jornalista e escritor Karl von Koseritz (1832-1890), um dos principais porta-vozes da imigração alemã, sintetizou a missão deles no Brasil dizendo: "O colono não emigrou somente para progredir economicamente, mas também para adquirir um chão próprio, e com ele uma nova pátria. Por este motivo, sua existência, nos bons e maus momentos, está ligada ao destino do país, que é a sua pátria e a pátria dos seus filhos”. Vieram em sua maioria de uma parte da Alemanha que pertencera a um império que desabara, o de Napoleão, mortalmente ferido em Waterloo em 1815, para fazer parte de um outro que estava em construção: o Império do Brasil. Bibliografia AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagem à Província do Rio Grande do Sul (1858). Belo Horizonte: Itatiaia,1980. FLORES, Hilda Agnes H. Alemães na guerra dos Farrapos. Porto Alegre: EDIPUCRS,1995. HUNCHE, Carlos H. O biênio 1824/25 da imigração e colonização alemã no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: A Nação/DAC/SEC,1975. MÜLLER, Telmo L (0rg.). Imigração e colonização alemã. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1980. LANDO, Aldair M. & BARROS, Eliane C. A colonização alemã no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Movimento,1976. ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. 2 vols. Porto Alegre: Globo,1969.

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